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Ambiental media

Sobre

Entre especialistas, uma expressão tem se tornado cada vez mais frequente: o Cerrado é o bioma do sacrifício. Enquanto os olhares se voltam para a preservação da Amazônia, o agronegócio predatório amplia fronteiras, explorando a incompreensão dos brasileiros de que é dali que brotam as águas que abastecem grande parte do país. Oito das doze bacias hidrográficas brasileiras têm nascentes no bioma.

Na reportagem especial “Cerrado – o elo sagrado das águas do Brasil”, a Ambiental investiga mais de 50 anos de dados para entender o quanto do bioma já foi sacrificado e quais são os impactos das ações humanas nas águas. Sob coordenação científica, jornalistas e analistas de dados se debruçaram por mais de um ano em pesquisas, entrevistas e nos melhores dados disponíveis sobre vazão de rios, pluviosidade, evapotranspiração e uso e ocupação do solo. O objetivo é permitir a compreensão, por parte de um público amplo e não especializado, da importância do Cerrado para as águas do Brasil, quais são as bacias mais impactadas e por quais ações humanas predatórias, sua conexão com outros biomas brasileiros, seu papel como regulador hídrico e ainda quais são os caminhos para frear a destruição.

A exploração do Cerrado teve início ainda no século 19, quando a vegetação, considerada sem valor, começou a ser substituída pela pecuária extensiva, iniciada por soldados que voltaram da Guerra do Paraguai. Depois, o bioma passou a ser visto como “o celeiro do mundo”. Com muitos benefícios fiscais, o agronegócio que não produz alimentos, mas sim commodities, justifica sustentar o Produto Interno Bruto (PIB) do país. Mas a qual preço? A água claramente não tem entrado nessa conta. Potências hídricas como Bahia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul sequer cobram pelo uso.

A exploração das águas já gera conflitos, como o episódio que ficou conhecido como Guerra da Água em 2017, no município de Correntina, no Oeste da Bahia, quando faltou água para comunidades de agricultores familiares. Já se vê cenário parecido na região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Os especialistas projetam conflitos cada vez mais frequentes. É preciso compreender e aceitar a realidade da crise climática e seus desdobramentos.

Em 2023, pela primeira vez desde o início da série MapBiomas Alerta, a área desmatada no Cerrado ultrapassou os números da Amazônia. Hoje, a ciência já sabe que a vegetação da savana mais biodiversa do planeta, com suas raízes profundas, tem sim muito valor e garante o abastecimento de gigantescos aquíferos – como o Urucuia, o Guarani e o Bambuí – e a vazão de rios como o São Francisco e o Paraná.

Os pesquisadores reforçam que as mudanças climáticas amplificam os impactos em um ciclo inconsequente: as irrigações e o desmatamento para produção de commodities agrícolas geram cada vez mais secas intensas que, por sua vez, afetam as seguranças hídrica, energética, alimentar e também a própria produção agropecuária. É a espiral da morte em movimento.

No projeto “Cerrado – o elo sagrado das águas do Brasil”, a Ambiental propõe um debate, baseado em ciência, sobre a conexão entre os biomas e como a destruição de um afeta o outro. É urgente entender, de uma vez por todas, que sacrificar o Cerrado é destruir a nossa água e, com ela, qualquer alternativa de futuro próximo viável.

Sobre a Ambiental

A Ambiental se dedica ao jornalismo investigativo baseado em ciência e dados. Mergulhamos na melhor ciência disponível sobre os temas mais relevantes para trazer à tona dados e evidências que fazem a diferença na vida das pessoas. Acreditamos no jornalismo como ferramenta de alerta e conscientização sobre a emergência climática e de defesa do Cerrado, da Amazônia, dos demais biomas brasileiros e suas formas de vida, inclusive a humana.

O olhar único da Ambiental se transformou em assinatura reconhecida por premiações relevantes. Entre nossas reportagens de destaque está o Aquazônia, por meio do qual criamos o Índice de Impacto nas Águas na Amazônia (IIAA), reportagem vencedora de seis prêmios de jornalismo, tendo sido eleita a melhor visualização de dados do Brasil (Prêmio Cláudio Weber Abramo), da América Latina e uma das melhores do mundo (pela Wan-Ifra, Associação Mundial de Publishers de Notícias).

Pela proximidade com a ciência, o trabalho da Ambiental também serve de fonte de informação para outros jornalistas e veículos de jornalismo, tendo sido replicado ou repercutido por alguns dos principais veículos de imprensa do Brasil e do mundo, entre eles, The Guardian, Folha de São Paulo, Estadão, O Globo, Valor, National Geographic Brasil, BBC Brasil, Mongabay Internacional e outros.

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Metodologia

1. Objetivo

O projeto Cerrado – O Elo Sagrado das Águas do Brasil traçou um panorama das condições das principais bacias hidrográficas do bioma ao longo das últimas décadas e tornou esse conteúdo compreensível a um público amplo por meio de mapas, visualizações de dados e reportagens.

2. Dados

Foram analisados dados de seis bacias hidrográficas em suas porções predominantes no Cerrado:

  • Araguaia
  • Paraná
  • Parnaíba
  • São Francisco
  • Taquari
  • Tocantins

Área de Análise:
Foram selecionadas as porções das principais bacias predominantemente dentro do bioma Cerrado. Essa delimitação busca proporcionar análises e respostas sobre o status do Cerrado no contexto dos principais rios, tendo em vista a não uniformidade natural entre os limites dos biomas e das bacias hidrográficas, já que algumas delas incluem porções menores de outros biomas. O objetivo foi manter na análise partes significativas do Cerrado, como é o caso da bacia do São Francisco.

Bases de dados incluídas:

  • Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) - dados disponibilizados entre 1970 e 2021 por meio de um Acordo de Cooperação Técnica entre o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Cerrados, sem transação financeira. A agência compartilhou e processou dados de variáveis hidrológicas e climatológicas e, em contrapartida, o instituto se comprometeu a comunicar os dados de forma acessível. O trabalho foi desenvolvido em parceria com a Ambiental Media. Os resultados compartilhados foram:
    • Evapotranspiração potencial: quantidade total de umidade que poderia ser transferida do solo e da vegetação para a atmosfera devido à evaporação;
    • Pluviometria: quantidade de chuva em determinado lugar e em um período específico;
    • Vazão: volume de água que flui por um rio em um determinado tempo, medida em metros cúbicos por segundo (m³/s).
  • MapBiomas (coleção 8)
    • Uso e ocupação do solo entre os anos de 1985 e 2022: vegetação nativa, áreas desmatadas, cultivo de soja, massas d'água e outros usos da terra.

3. Etapas de desenvolvimento

1. Definição das bacias hidrográficas
O coordenador científico do projeto Yuri Salmona – geógrafo e doutor em Ciências Florestais pela Universidade de Brasília (Unb) – definiu as seis bacias que fariam parte do projeto e a ANA enviou à equipe os limites de cada uma delas. Salmona também selecionou os pontos de cada bacia a partir dos quais os dados deveriam ser gerados. Os locais escolhidos ficam na fronteira do bioma ou em um trecho à montante (rio acima, em direção à nascente), de forma que a porção analisada esteja majoritária ou totalmente dentro do bioma Cerrado.

2. Coleta de dados e vazão, pluviosidade e evapotranspiração potencial
O principal dado utilizado no projeto foi a vazão, gerada localmente por estações fluviométricas e medida em metros cúbicos por segundo. Seguindo uma metodologia científica e princípios estatísticos validados, a ANA fez a transposição do dado para o ponto do rio indicado por Salmona. Esta transposição foi necessária para a compreensão da contribuição das porções do Cerrado para essas bacias. Os dados são mensais e demonstram como os rios do bioma estão perdendo água.

Para contextualizar esta redução, a equipe passou a observar as principais variáveis que se relacionam com a vazão, entre elas a pluviosidade. Os dados das estações pluviométricas também foram cedidos pela ANA e permitiram estimar quanto choveu por mês dentro de cada uma das seis bacias hidrográficas analisadas. Todas elas tiveram alguma redução na quantidade de chuva.

Ainda para contextualizar, utilizamos os dados de evapotranspiração potencial fornecidos pela ANA. Esta variável está diretamente relacionada às mudanças climáticas e traz quanto se estima que uma cobertura de solo padrão vai devolver de água para a atmosfera por causa da radiação solar. Também houve alta em todas as bacias analisadas.

3. Coleta de dados de uso e cobertura do solo
Os mesmos limites das bacias hidrográficas gerados pela ANA foram usados para extrair informações de uso e cobertura do solo provenientes do projeto MapBiomas (coleção 8) – rede colaborativa de co-criadores formada por ONGs, universidades e empresas de tecnologia, que mapeia a cobertura e uso da terra no Brasil –, utilizando a ferramenta Google Earth Engine.

Foi feito um agrupamento das classes para utilizarmos: vegetação nativa, área desmatada, área desmatada para plantio de soja, massas d'água e outros usos da terra.

O objetivo, com as bases de dados selecionadas, foi analisar os elos do ciclo hidrológico: tanto a água que evapora quanto a água que desce com a chuva. Já a cobertura do solo traz as diferentes formas de ocupação da bacia, que têm relação com a vazão dos rios. Os dados demonstraram como o bioma está perdendo água e como esta redução da disponibilidade hídrica tem relação com o aumento do desmatamento e com as mudanças do clima.

4. Geração de gráficos exploratórios
Foram gerados então gráficos exploratórios para mostrar as alterações em cada uma dessas variáveis, o que permitiu à equipe entender: quanto da vazão foi alterada e como foi alterada. Para isso, foram feitos vários testes estatísticos e análises exploratórias com o objetivo de verificar se havia uma tendência. Foram geradas diversas representações gráficas que deram condições de observar alterações no padrão.

5. Análise do antes e do depois das condições das bacias
Para analisar os impactos às águas do bioma, foram consideradas as medianas de pluviometria, evapotranspiração potencial e vazão de dois períodos diferentes: de 1970 a 1979 e de 2012 a 2021. No caso da vazão, se levou em conta o Q90 (vazão mínima de segurança), dado que deve ser utilizado para guiar a definição de limites para o uso sustentável de recursos hídricos.

Já para uso e ocupação do solo, utilizamos os dados anuais de toda a série histórica: de 1985 a 2022.

4. Principais referências bibliográficas

Bases de dados:
Agência Nacional de Águas (ANA) e Projeto MapBiomas

Artigos científicos:
Salmona et al. (2023). A Worrying Future for River Flows in the Brazilian Cerrado Provoked by Land Use and Climate Changes. Sustainability, 15. https://www.mdpi.com/2071-1050/15/5/4251
ANA, 2024. Impacto da Mudança Climática nos Recursos Hídricos no Brasil / Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. https://metadados.snirh.gov.br/geonetwork/srv/api/records/31604c98-5bbe-4dc9-845d-998815607b33/attachments/Mudancas_Climaticas_25012024.pdf

Equipe

Direção e concepçãoThiago MedagliaCoordenação científica e concepçãoYuri SalmonaCoordenação editorialFernanda LourençoMapas e visualizações de dadosRodolfo AlmeidaEdiçãoMiguel Tomé VilelaTextoRonaldo RibeiroReportagemKevin Damasio
Letícia Klein
Schirlei AlvesPesquisa e dadosSchirlei Alves
Kevin DamasioAnálise de dados espaciaisFelipe Sodré
Gilberto Nerino de Souza JuniorDesignRodolfo Almeida
Sofia Beiras (protótipos e UX/UI)DesenvolvimentoAriel TongletOperacionalLeticia Helena ProchnowColaboraramLaura Kurtzberg (visualização de dados), Jorge Santos (dados espaciais), Marina Martinez (pesquisa e dados), Marina Gama Cubas (pesquisa e dados), Jonas Rossi (infraestrutura web)Cooperação técnica (fornecimento e processamento de dados):Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico
Saulo Aires de Souza - coordenador de mudanças climáticas
Alexandre Abdalla Araújo - coordenador de estudos hidrológicos
Marcos Irineu Pufal - especialista em regulação de recurso hídricos e saneamento básico

Agradecimentos

À Climate and Land Use Alliance (CLUA) pelo apoio financeiro e pelo suporte ao longo de todo o processo de desenvolvimento, em especial à Cecília Viana, consultora e assessora da Iniciativa Brasil. Ao Instituto Serrapilheira, que há anos acredita e apoia o trabalho da Ambiental Media, principalmente à Natasha Felizi e à Raika Moisés.

Agradecemos ainda à Diálogo Brasil, pela consultoria e apoio na divulgação da plataforma em grandes veículos de comunicação e também nos locais, e ainda nas redes sociais.

Nosso agradecimento também ao Instituto Cerrados e ao seu diretor-executivo, Yuri Salmona, coordenador científico deste projeto. Agradecemos ainda a Mercedes Bustamante, por ter recomendado Salmona e por acreditar em nosso trabalho.

À Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) por processar e compartilhar uma extensa base de dados sobre as bacias, por meio de um Acordo de Cooperação Técnica assinado entre o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Cerrados, que não envolveu transação financeira. Em contrapartida, o instituto se comprometeu a comunicar os dados de forma acessível. O trabalho foi desenvolvido em parceria com a Ambiental Media.

Aos pesquisadores do Projeto MapBiomas, que produzem os dados que embasaram a análise sobre uso e ocupação do solo. A todos os cientistas que colaboraram com entrevistas e compartilhando os resultados de suas pesquisas.